piranha sentimental

– eu não tenho mais paciência pras pessoas.

– hum… eu não tenho paciência comigo com as pessoas que eu conheço.

– quando percebo que tenho que mudar algo da minha rotina pra poder ter alguém por perto eu me sinto muito desconfortável. e quando percebo pequenos defeitos que se tornariam insuportáveis a ponto de eu, sei lá, querer explodir os meus miolos, fico pensando “eu poderia estar vendo um filme, lendo um livro”. isso não é pra mim. aí a cada dia eu fico querendo conhecer menos pessoas…

– eu gosto de conhecer pessoas. o problema é que elas não gostam de mim e eu tenho um nível de tolerância muito alto, é quase um super poder.

– sei… peso.

– sim. e aí eu me vejo me acomodando aos gostos daquela pessoa só pra ser aceita, gostada e aí me sinto ridícula por causa disso. depois vejo: eita tempo perdido! pior é que nem é questão de carência apenas, eu genuinamente gosto das pessoas! mesmo com os defeitos, que, pelo visto, é o que mais me atrai. eu não quero ficar nisso pra sempre!

– eu sei.

– me dão a sujeirinha da unha de atenção e eu já fico imaginando o braço inteiro, com todos os momentos românticos, e o que eu diria e o que ele diria de volta e o que eu faria e qual seria a reação dele e os sorrisos, beijos e abraços. megalomaníaca sentimental enquanto alguém só me diz “olá!”.

– por mim eu só sairia fodendo e cabou-se, tchau. quando virasse na cama, saindo do cochilo, a guria já teria evaporado…

– não sei, acho que sou uma piranha sentimental. gosto de todo mundo, não é só aquele troço físico. e pior ainda: só gosto de pessoas com a menor probabilidade de gostarem de mim.

– concordo, dedinho podre esse teu. pior é que o problema não tá com você, é que você gosta de quebrar recordes no quesito “piores pessoas para se apaixonar”.

– hahaha, é. o jeito é ficar nas paixonites platônicas, ver filme, seriado, ler um livro e errar, errar de novo e errar num level acima.

– pois é. ei, tenho que ir, depois a gente se fala.

– tá ok, tchau!

oi, estranho

deu 2 da tarde quando me acordei hoje. forcei pra sentir o gosto da minha saliva pra saber se tinha tomado café da manhã – é, as vezes eu esqueço se comi ou não; o que fiz, o que deixei de fazer. acordei pensando que era segunda-feira, aquele aperreio em imaginar que já era tarde e havia muita coisa a ser feita, que já era tarde demais pra continuar um dia. suspiro ao perceber que é domingo e a primeira coisa que me veio a cabeça depois disso foi escrever pra você.

oi, tudo bem?
eu sou eu, prazer. pois é, você não me conhece, nem eu te conheço; sabemos muito pouco um do outro. já tentei procurar sobre você com as ferramentas que tenho disponíveis, mas achei pouca coisa – coisa que eu já sabia. é estranho. não te conheço e estou aqui escrevendo pra você, preocupada que um dia você possa ler isso e saber que tudo isso está direcionado a ti. uma parte de mim quer que você nunca saiba disso. então por que diabos eu estou tagarelando aqui?

sei lá. eu me sinto só. você parece se sentir sozinho também. e eu sempre tenho a estúpida idéia de que duas pessoas sozinhas podem se unir e aí tudo pode ficar feliz e… menos solitário. tenho que dizer que até agora essa teoria não tem trazido conclusões satisfatórias. mas fico pensando que poderia ser diferente com você. que eu nem conheço. que eu nem sei se realmente é sozinho. virtualmente não sei onde colocar as mãos e fico a cutucar minhas unhas de nervosismo e a cada palavra que coloco aqui penso “será que, quando um dia ele talvez ler, ele queira me conhecer e, então, goste de mim?”. essa necessidade de ser gostado. não gosto do fato do meu mundo girar em torno disso, em alguns momentos. tento me fazer de indiferente, de quem tá cagando e andando pra opinião dos outros. ah, realmente não estou. mas é engraçado como pra sua opinião eu tô aí. e você nem me conhece. e eu nem te conheço.

eu não sei mais o que eu estou dizendo. acho que tô num domingo entediante e solitário (ó a redundância aí) e, por acaso, pensei em você. me dá o teu endereço. te mando um postal dia desses, mesmo que eu não receba uma resposta.

Executivo de sucesso I

Conversa de fim de bar.

– Então, cara, o que você pretende fazer da sua vida?

– O de sempre. Em outro canto, talvez, mas o de sempre.

– E isso dá dinheiro?

– Sei lá, dá o suficiente.

– “Suficiente” tipo o quê?

– “Suficiente” tipo “não vou morrer de fome, mas também não vou ser um barão”.

– Poxa, fico preocupado.

– Por quê?

– Porque, sei lá, vai que dá alguma merda, vai que essa tua viagem ai não vá pra frente, que essa menina te larga, sei lá. Nunca se sabe.

– Eu me viro.

– A vida não é assim, “eu me viro” e pronto. Muitas variáveis, muita complicação…

– Eu me viro.

-… Você tem que pesar suas prioridades, pensar em você mesmo, se planejar. Você tem potencial e pode ficar desperdiçando tudo por causa dessas decisões…

– Aham.

-… Sério, pô. Vai viajar sem saber no que vai dar… Tipo, eu, quando viajei, tinha emprego, sabia que a empresa me queria, tinha uma garantia e tal.

– Sim, mas eu não quero empresa. Eu nem ligo pra empresa.

– E vai fazer o quê?

– Coisas.

– Tem de repensar isso ai.

– Tudo, né?

– Não, só isso ai. Das coisas.

– Deixa minhas coisas.

– Mas elas são arriscadas. Tipo essas tuas tatuagens.

– Que tem minhas tatuagens?

– Tu acha que vai arranjar emprego com elas?

– Sim.

– Onde?

– Na minha área.

– Bom, tu que sabe…

– É, sei.

-… Essas coisas de tatuagem, de idéias, quero dizer, principalmente idéias de tatuagens, esses desenhos nos braços, sei lá, vai que tu não gosta, deixa de gostar, vai que o povo não gosta, olha pra elas e acha ruim…

– Sei.

-… Hoje em dia ninguém confia em ninguém. Até ladrão anda bem vestido, imagina tu, com isso ai, com esse cabelo e tal.

– É, né.

– É, mas tipo, faz o que tu quiser, dou o maior apoio.

– Claro, tou notando.

– Não, sério.

Sério.

crítica cinematográfica

que raiva! agora não posso ver um plano holandês sem me lembrar de você e da sua mediocridade. pode ser uma cena de estupro que isso vai me fazer rir. muito obrigada por ter deixado essa marca no meu cérebro – como se ele tivesse espaço de sobra pra lembranças imbecis como essas. sério, eu poderia muito bem apagá-las pra colocar no lugar delas um par de letras de música. mas não. tá lá, sua sapiência inatingível, seu grande conhecimento sobre tudo. todo seu amor pra dar, todas as garotas que um dia se penduraram no seu pescoço e sussurraram um “eu te amo” no teu ouvido antes de você partir enquanto passava alguma melodia, como se sua vida tivesse trilha sonora. você, itinerante nesse mundão sem porteira. que declara publicamente ser uma versão masculina e brasileira da amelie poulain, sentindo prazer indescritível – a iluminação maior – ao mergulhar as mãos em sacos de feijão e acha isso bonito. ai, você. pra mim, saco de feijão é outra coisa. “senhor, tem um cabelo na minha comida!”. “desculpe, é por causa do saco do feijão”.

você que diz querer “abraçar o mundo com o coração”, fala “vou tirar uma foto mental deste momento tão lindo” e-ainda-faz-o-frame-com-as-mãos, mas é tão limitado quanto seu pau quando a questão é lidar com sentimentos humanos de verdade. que se assusta quando as coisas acontecem de verdade, ali na tua frente. quando vê o sangue subir, quando a situação se altera, quando a sinceridade vem e dá um tapa na tua cara. você tem a mania de usar citações pra poder expressar seus sentimentos – que você nunca chegou a sentir de verdade – e acha que isso é coisa de gente sabida, experiente, macaco velho, sabe? meudeusdocéu, pare com isso! enxergue meus olhos, veja minhas lágrimas, olhe o meu sorriso, está estampado: não, não é amor o que eu sinto por você! entenda isso! eu sei muito bem o teu objetivo de ser adorado, ser o centro das atenções. você olha na retina dos outros esperando se enxergar. e eu não vou te dar isso.

pra você sacar direitinho: deus me livre teu coração caber três vidas inteiras, porque em uma você já tá fazendo estrago demais. te tranco numa despensa vazia e coloco quantas penteadeiras forem possíveis pra você nunca mais sair de lá e… ARGH, como eu perdi tempo!

“Mas o que ele tinha a me oferecer, eu não queria – e o que eu queria, ele não podia me oferecer. Por outro lado, isso não é tão raro assim, não é? Então por que continua a causar tanta dor? Tantos anos depois! Doutor, devo me livrar do quê, me diga: do ódio… ou do amor? Porque ainda nem comecei a enumerar as coisas de que me lembro com prazer – ou seja, com um sentimento arrebatador, corrosivo de perda! Todas essas lembranças que de algum modo parecem estar associadas à hora do dia, ao tempo que estava fazendo, que me surgem na consciência de repente, tão pungentes que, por um instante, não estou no metrô, nem no escritório, nem jantando com uma moça bonita, e sim de volta à minha infância, com eles.”